quinta-feira, 7 de julho de 2016

Seu Justino que era bom

Era cidade pequena. Interior do estado. Tinha clima bucólico e sempre muito familiar. Quase nada acontecia de extraordinário. Mas possuía dois fenômenos. Não eram exclusivos, como quase nada nessa cidade. Aliás, o que lá acontece, se vê por toda a parte. 
E os fenômenos, sim. O primeiro é de fundo metereológico. Todos da cidade tinham conhecimento de causa. Mesmo que não fosse de senso comum, era ao menos para ter o que dizer. Sempre que se encontravam era comentada a direção do vento, o calor, se choveria ou não. 
O segundo fenômeno não era de fundo metereológico, mas os cientistas ainda estudam, apesar do esmero, sem avanços para identificar as causas. Eles chamam de “santificação memorial coletiva”. Não que seja de fundo religioso, mas bem que podia ser. Para esse fenômeno nós temos o seu Justino. Falecera a pouco mais de um ano. Padecera de doença pouco antes de expirar, comovendo todas as gentes. Inclusive ia ganhar praça com seu nome, mais porque tinha irmão vereador do que por honra. Mas ia virar praça.
E em todos os encontros casuais, rodas de praça, boteco e fila de médico, os dois fenômenos aconteciam. O tempo era o primeiro assunto. Seu Justino o segundo. E a conversa a seguir, ocorreu na porta do aviário, por três ou quatro conhecidos. 
-Seu Justino que era bom homem, coitado!
-Morreu moço, deixou dois filhos homens. Já estudados, mas que lástima!
-Alguém tem noticia daquela família que ele expulsou do terreninho?
-Não.
- Família pobre. Cinco crianças. Parece que não tinham para onde ir. Mas quem mandou invadir terreno dos outros?
-O terreno era o menor bem do seu Justino, tava abandonado há dez anos. Mas não se toma o que não é seu. 
-Não mesmo!
-Seu Justino que era bom! Lembram da doação que fez para obra da igreja?Não teve doação melhor. 
-Dizem que ele queria lavar o dinheiro, que tava sujo
-Mas a igreja ficou linda. E teve festa de inauguração. Que festa!
-Soube que ele ameaçou o padre. Queria todas as prostitutas trabalhando na festa. 
-Mas que festa! E ele era muito generoso!
-Não foi nessa festa que ele mandou matar o Gonçalo?
-Foi nessa não. 
- O homem denunciou o seu Justino, acusou de adulterar o combustível que vendia no posto.
-Ninguém pode denunciar sem prova. Coitado do seu Justino, caluniado.
-Até a esposa abandonou ele. 
-Dizem que ele não parava uma noite em casa. Pessoa alegre, tava sempre em festa. 
-Mas esposa tem que ser pra sempre. E ele nunca mais casou. 
- Era muito ocupado com o trabalho. Tinha que sustentar a família. Mantinha os filhos estudando no exterior. Muito trabalhador ele! E humilde.
-Mas dizem que das prostitutas ele não lucrava, só cuidava por caridade. 
-Seu Justino que era bom...

(Escrito em fevereiro de 2016 mas eu queria guardar para o livro)