quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Poesia Veraneia

Eram lentos aqueles dias de verão
O sol pesava em meu ombros
Tudo se arrastava
Amores lentos...
Tudo era ouro o que o sol beijava
Difundia em brilho o refino que virara
Tudo se arrastava
Os sons seguiam o silêncio
Daquelas tardes vazias
Em que o dia era eterno
Naqueles dias lentos de verão

sábado, 25 de outubro de 2014

Fuga nº 2 ou Pássáro

Tuas penas bonitas, tecidas a mão
Empreste-me uma e voo com a imaginação

Tua liberdade, verdade, liberta mais que saudade.

Não te preocupas com o amanhã, pois tudo tens sem pedia a ninguém.

Penas bonitas, empreste-me tua liberdade
Eu quero voar bem longe
Pro alto da montanha, pra debaixo da cama.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Fuga nº1

Você não está em você
Você não está ali
Você voa
Você foge
Você perde
Finge paisagens
Finge ser alegria
Mente ser você

Foi amor

Foi amor quando te vi
E amor ainda agora
Foi amor quando fugi
E amor quando escolhi
Foi amor quando neguei
E era amor quando procurei
Foi amor quando esperei
E também quando me desesperei
É amor quando está perto 
E é amor quando não está aqui
É amor porque amo
tua presença, tua ausência
teu nome.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Dezessete



Sem ar. Foi assim que ela ficou quando leu aquelas palavras de confissão dele, tão esperadas, tão inesperadas. Não sabia o porquê, assim como ainda não sabe. E é nesses momentos que todo o conhecimento acumulado não é o suficiente para conhecer a si mesma.  E entre “decifra-me ou devoro-te”, acabou por devorada (sem metáforas). Mas dessa vez, em sua própria mitologia, onde a esfinge não tinha nem 18 anos.

E para ela, não precisava de mais nada, ele estava ali, diante dela. Estavam livres de qualquer julgamento, qualquer suspeita, - embora o crime não tivesse acontecido ainda-. Sem máscaras, como eles mesmos disseram, representando apenas o teatro da vida, a dança. Cumprindo com seus papéis de macho e fêmea, que embora instintivos, necessitam de certo ensaio, marcação e preparo. E quem está preparado? Despir-se das máscaras, dos medos, dos fantasmas (sem ópera, porque nessa trilha só toca rock)... Essa, não é, definitivamente, uma encenação fácil.

Então, embora as palavras fossem fáceis de encenar – diz-se tudo ao contrário do que se quer e pronto – o corpo não mentiria. Teria ele percebido? O respirar, o ruborizar, o olhar... Sim, do contrário seria negar o óbvio. E apesar de seu relógio só marcar 17, seu desejo já era meia-noite. Ele tentou ser educado, pediu “por favor”. Mas deu o bote. A presa desarmada. Pronto, item acusatório executado.

Para ela, apesar do sim, ainda lhe restava algumas máscaras. Tirá-las ou não? Conflito. Optou pelo não. O não é sempre mais seguro, embora mais amargo. Elas ainda acabariam por cair mesmo...

Ele se foi. Mas durante horas, o perfume dele continuava a agarrá-la, beijar-lhe o colo. 

E todo aquele filme, ele e ela, se repetia inúmeras vezes, uma espécie de Lagoa Azul no canal Globo, mas dessa vez a tela não era a da TV. Aos poucos, o filme repetido foi ganhando um novo roteiro, novo diretor, nova direção. Era hora de montar novas cenas, cenários, objetos. O papel principal já tinha ator escalado.

E o novo filme começou: iniciando com  um drama, depois uma pornochanchada rememorando a década de 70 (boa década), melodrama latino , e terminou no clima de um noir, crimes sem culpa e culpa sem crime – e mais perfume, dessa vez o dele, do corpo dele, excitante -.

Agora na tela, o que passa é um road movie, porque tudo é uma viagem – e afinal, eles sabiam que não passaria disso-.

 (julho de 2012)
    



quarta-feira, 28 de maio de 2014

O Beco


Rio de Janeiro, 20 de junho de 1896,20:50.  – A chuva causa estalidos agudos. Parecem metais caindo. Passos rápidos e secos. Luz amarela. Iluminação precária nas ruas. A pressa causa surdez. Não ouvia nada a minha volta. O melhor disfarce é misturar-se. Gestos naturais, sorrir e cumprimentar. Queria ser invisível.
Cheguei em casa, minha humilde casa, meu casebre, mofado e úmido. Abrigo de insetos, de vermes, meu abrigo. Abrigo, obrigo, obrigado.
Apoio as chaves. Procuro pela casa alguém que não existe. Faço por hábito. Ninguém. Só agora estou em casa, após os rituais sistêmicos de chegada que me encadeiam. Acender e pagar as luzes da casa, checar os cantos, averiguar se cada objeto está aonde deixei ao sair. O ritual de entrada é apenas extensão do ritual de saída, o qual inclui uma fotografia mental de todo o cenário.
Deito na cama, estático. A lâmpada a menos de um metro e meio acima de mim. Poderia tocá-la. Entrelaço as mãos sobre o peito. Fico esperando.
Pode acontecer a qualquer momento, podem me encontrar.
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 Rio de Janeiro, 21 de junho de 1896. 21:10 – Chego em casa. Apoio as chaves. Passei imperceptível pelas ruas. Ás vezes sou invisível. Venci os olhares alheios, os murmúrios dos jovens fúteis, e dominação territorial de homens empoleirados.
Faço o ritual de entrada. Deito na cama ainda vestido e de sapatos. A lâmpada pendurada balanceia.
Penso na noite de ontem. O que foi que eu fiz?
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Rio de Janeiro, 20 de junho de 1896. 23:41 – A chuva causava estalidos agudos, pareciam metais, tilintava. Ouvi passos rápidos e secos. A luz estava amarela em razão da iluminação precária. Ainda ouvia os passos e formavam um conjunto harmonioso com os meus. Olhei para trás e vi uma pessoa, sem formas claras por causa da penumbra. Caminhei mais rápido e os passos me seguiam.
Não deveria ter entrado naquela rua. Finji sentir-me  segura e ignorar a presença de quem me seguia. Apressei-me, mas foi em vão, ele me acompanhava. Eu respirava ofegante, denunciando meu medo. Sentia meu sangue pulsando, pulando. Pensei em pedir ajuda a alguém, mas o beco era vazio, nada, ninguém. Queria gritar.
Senti uma mão me segurando fortemente pelo braço. Não consegui me soltar por mais que tentasse, e fui completamente dominada. Ele me puxou para o canto mais escuro.
Foi tudo muito confuso e perturbador, não fui capaz de enxergar seu rosto. Não passava de uma imagem disforme.
Empurrou-me contra a parede, sussurrou algo inteligível, abafava minha boca com uma mão e segurando-me firme, cortou meu pulso. Eu estava exausta pela adrenalina e pelo medo. Sentia tudo girar a minha volta e o tempo parar. Senti o sangue escorrer, quente e ralo.
Ainda sinto dificuldade em descrever tudo o que houve. É como se todas as cenas não tivessem mais sequencia.
Ele se ajoelhou. E embora a escuridão e minha exaustão não me permitissem reconhecer seu rosto, percebi seu olhar. Olhava-me fixamente. Ele se ajoelhou num ato de devoção, e seu olhar continha alívio e um mister de desorientação. E nem sei a cor de seus olhos.
Então senti sua boca em meu pulso, em meu sangue. Eu já estava inteiramente perplexa. Ele sugou, sorveu meu sangue, numa ferocidade, numa ternura. Atônita, quase desmaiei.
A partir daí não sou capaz de descrever os fatos seguintes por simplesmente não ter clareza deles. Mas ao que tudo indica, ele me deixou naquele beco e fui encontrada por pessoas que me acudiram.
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Rio de Janeiro, 21 de junho de 1896. 21:32- A pedido da polícia e sob sua observação, pus-me no mesmo local em que sofri o ataque ontem. Uma  de tentativa de atrair o agressor.
Sinto que seria impossível reconhecê-lo, parece-me agora que todos os estranhos tem a mesma altura e tipo físico que o dele. Creio só poder reconhecer seu olhar e o toque de seus lábios.
A busca policial hoje foi em vão.
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Rio de Janeiro, 25 de junho de 1896. 19:57 – Sinto medo constante desde aquele dia. Sinto horror pela sua covardia. Monstro!
Mas temos continuado com as ações policiais.
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Rio de Janeiro, 24 de junho de 1896. 22:01 -  Chego em casa. De volta para ninguém. Não deveria nem ter saído. Apoio as chaves. Ritual de chegada.
Finalmente chego em casa, após cruzar as multidões pelas ruas, gostaria de ser invisível. Não existo para elas, ninguém me percebe. Nem mesmo ela.
Hoje a vi. Estava na mesma rua. Mas não estava sozinha. Percebi a armadilha policial.
Devo continuar minha rotina.
Repasso todas as cenas em minha cabeça, até sou capaz de sentir o seu gosto na boca. Aquele gosto vermelho. Ansiedade.
Preciso evitá-la. Mas não quero.
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Rio de Janeiro, 26 de junho de 1896. 17:12 -  Hoje não terá ação policial. A partir de hoje as investigações serão internas e ocultas. Não há pistas. Só uma navalha que foi encontrada no local.
Meu corte cicatriza, minha alma não. Mas já não tenho mais certeza se o culpo mais do que a mim mesma, a minha incompetência, minha fragilidade. Exijo punição para ele porque não posso punir-me. Quero ele sangrando. Quero ele sofrendo. Quero ele...
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Rio de Janeiro, 26 de junho de 1896. 21:26 – Chego em casa. Apoio as chaves. Ritual. Ninguém me espera.
O dia foi longo. Sinto-me ansioso.
Passei pelo mesmo local. Ela não estava lá. Queria vê-la. Graciosa, bonita, branca, macia. Repasso todas as cenas em minha cabeça. Eu a imagino novamente. Imagino-me ajoelhado, vertendo lágrimas, agradecendo seu sangue.
Ela não estava lá e nem seus policiais. Preciso evitá-la, mas não consigo.
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Rio de Janeiro, 27 de junho de 1896. 18:34 -  Hoje irei ao local. Irei sozinha, não me importa. Preciso olhar nos olhos dele, só assim, verei nele, a covardia que sinto em mim. Preciso reconhecê-lo. Não penso em outra coisa. Que seja feita a Justiça!
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Rio de Janeiro, 27 de junho de 1896. 22:13 – Chego em casa. Apoio as chaves. Ritual de chegada. Não há ninguém.
Passei pelo mesmo local. Ela estava lá. Ela estava sozinha, perdida, pálida. Procurava por algo que desconhece. Nitidamente assustada. Frágil. Irresistivelmente frágil.
Passei por ela. Ela não me reconheceu. Às vezes sou invisível. Mas ela me esperava.
Esperei. Esperei a hora certa. Encurralei. Ataquei.
Senti-a novamente. Empurrei-a contra a parede do beco escuro. Abafei sua boca. Ela estava furiosa. Ela estava eufórica. Ela desmanchava-se. Arranquei o curativo de seu pulso. Cortei-a novamente. Eu a cortei. Rasguei sua carne. Ela ameaçava, grunhia. Ela sangrava e eu já não ouvia. Senti seu sangue, rápido e amargo. Olhávamos fixamente. Beberia eternamente. Ela estava assustada. Eu em êxtase.
Sussurrei em seu ouvido: Você gostou!
Larguei-a e fui embora. Não olhei para trás.
Chego em casa e estou com minha lâmpada cambaleante.
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Rio de Janeiro, 28 de junho de 1896. 13:23 – Cinismo, covardia e loucura. Esse é ele. A cada dia mais sinto repúdia por ele. Mas também me repudio.
Todo meu corpo ainda dói. Sinto sua violência. Sinto todo ele em mim.
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Rio de Janeiro, 28 de junho de 1896. 22:56 – Chego em casa. Ritual de chegada. Apoio as chaves. Ninguém em casa.
Ela estava lá novamente. Perdi minha invisibilidade. Segurei-a, arrasteia-a, domineia-a, cortei-a, bebi-a.
 Ela não resistia, não lutava. Ela estava lá. Eu estava no céu.
Sussurrei: até amanhã!
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Rio de Janeiro, 28 de junho de 1896. 23:04 – Cinismo, covardia e loucura. Essa sou eu. Sinto-me parte dele.
Até amanhã. Até todo dia.


(algum mês de 2013)



Inefável

Os mistérios são mais belos ainda encobertos
O eterno inefável...
Torna mais vivas as memórias 
Lembranças da alma!

Cava mais fundo a cada dia 
A armadilha que minha vida já anseava
Tramava meio escondida 
E quando revelada, 
vai seguindo perdida. 

(abril de 2014)